PMs tentaram matar colega e colocar covid como causa, diz MP
Sete policiais são acusados de usar pedaços de madeira e cordas para torturar major em treinamento do Bope

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Uma investigação sigilosa do Ministério Público de Goiás (MPGO) e da Corregedoria da Polícia Militar do estado (PMGO) apontou que sete policiais militares torturaram e tentaram matar um major durante um curso preparatório para o Batalhão de Operações Especiais (Bope). A notícia foi divulgada pelo portal Metrópoles.
Após a tortura, os militares também teriam tentado esconder o crime, forjando a causa da possível morte do major afirmando que ele estaria internado por conta de Covid-19. O major sobreviveu, mas ficou com sequelas.
O crime aconteceu na tarde do dia 16 de outubro de 2021, mas somente no mês passado o MPGO ofereceu a denúncia, após uma investigação da Corregedoria indiciar os militares.
Fotos do major da PM com ferimentos pelo corpo após ser torturado em treinamento do Bope em Goiás - Reprodução/TJGO
Segundo as investigações, o major, que não teve o nome revelado, foi torturado com varadas, pedaços de madeira e açoites de corda por três dias seguidos, durante a realização do 12º Curso de Operações Especiais do Bope, na Base Aérea de Anápolis. Após sofrer as violências, o major desmaiou e entrou em coma, ficando vários dias intubado na UTI.
Para piorar, os policiais esconderam o caso da família do major e não informaram os parentes sobre a internação. A esposa do militar, que é procuradora de Justiça, soube que o marido foi levado ao hospital somente no dia seguinte, por meio de um amigo pessoal.
O major levou tanta pancada que ficou em estado gravíssimo. Em um primeiro momento, ele chegou ao Hospital de Urgências de Anápolis (Huana) em coma profundo, com lesão neurológica grave, sem responder a nenhum estímulo e com rabdomiólise, que é uma ruptura do tecido muscular que resulta na liberação de uma proteína no sangue, que, por sua vez, danifica os rins.
Mesmo em estado grave, os policiais decidiram transferir o major para o Hospital Santa Mônica, na cidade de Aparecida de Goiânia, a uma hora de distância, onde ele foi assistido pelo médico que supervisionava o curso do Bope, o coronel David de Araújo Almeida Filho.
Quando a esposa chegou ao hospital, foi informada de que só poderia saber sobre o marido pelo médico coronel David. O militar alegou que o major estava com Covid-19 e 40% do pulmão comprometido.
A tomografia comprovando esse comprometimento do pulmão nunca foi apresentada. Além disso, uma tomografia feita horas antes no Huana não encontrou sinais de Covid. A esposa dele ainda percebeu que ele estava sozinho em um cômodo do hospital, sem assistência de médicos intensivistas.
Mesmo com obstáculos impostos pelo médico coronel e tentativas de destruição de provas, a esposa do major decidiu transferi-lo para o Hospital Anis Rassi, em Goiânia, de sua confiança. Lá, foram constatadas lesões corporais gravíssimas e exame negativo para coronavírus.
Sequelas
O major João recebeu alta no dia 27 de outubro daquele mesmo ano, mas acabou tendo que ser internado novamente poucos dias depois porque contraiu uma infecção pelo cateter do tempo de internação.
Ele conseguiu se recuperar consideravelmente, após muita fisioterapia, mas ainda tem uma perda parcial de movimentos de um lado do corpo e 30% dos rins comprometidos.
Mais tarde, o major foi promovido a tenente-coronel e a PM aceitou que ele recebesse o diploma do curso do Bope.
Todos os sete acusados continuam trabalhando normalmente e, mesmo com o indiciamento da Corregedoria, apenas três foram punidos com 12 horas de prestação de serviço.
Tentativa de homicídio e omissão
O Ministério Público apresentou denúncia contra os seguintes militares pelos seguintes crimes:
- Coronel Joneval Gomes de Carvalho Júnior: tentativa de homicídio e tortura por omissão;
- Tenente-coronel Marcelo Duarte Veloso: tentativa de homicídio e tortura por omissão;
- Coronel David de Araújo Almeida Filho: tentativa de homicídio e tortura por omissão;
- Capitão Jonatan Magalhães Missel, coordenador do curso do Bope: tentativa de homicídio e tortura;
- Cabo Leonardo de Oliveira Cerqueira: tortura;
- Sargentos Erivelton Pereira da Mata: tortura;
- Sargento Rogério Victor Pinto: tortura.
O MP pede que todos os denunciados sejam afastados de suas funções e que seus armamentos sejam recolhidos.
O advogado Caio Alcântara, que representa o tenente-coronel Veloso, informou ao Metrópoles que os autos são sigilosos. “Portanto estamos legalmente impedidos de fazer qualquer comentário a respeito”, escreveu.
Em nota, a PM de Goiás informou que o inquérito policial militar sobre o caso foi concluído e devidamente encaminhado para a Justiça Militar. “A Polícia Militar reafirma seu compromisso com o cumprimento da lei e a colaboração com as autoridades judiciais”, escreveu no documento.