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Chuvas no Recife: veja os pontos que mais alagam e saiba por que isso sempre se repete

Prefeitura afirma que há 54 pontos de alagamento crítico na cidade e que seis deles serão mitigados em 2024

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Rodrigo Fernandes

Publicado em 17/05/2024 às 12:31 | Atualizado em 20/05/2024 às 8:01
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Quando começa a chover no Recife, uma certeza vem à mente da maioria da população: a cidade vai parar. O município enfrenta um histórico de alagamentos recorrentes em várias ruas e avenidas, responsáveis por prejudicar a rotina e a saúde de moradores, além de paralisar o trânsito e comprometer a locomoção das pessoas.

De acordo com a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), 181 pontos críticos de alagamento foram identificados na cidade desde 2021, e 127 deles foram eliminados até o momento.

A gestão municipal, portanto, reconhece que ainda existem 54 pontos de acúmulo de água no Recife, mas não informou quais são eles.

Segundo levantamento histórico feito a partir de reportagens do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, alguns desses pontos que ainda sofrem com alagamentos são:

  • Avenida Recife, próximo à entrada do Ibura
  • Avenida Mascarenhas de Moraes, próximo ao Aeroporto, ao Geraldão e à faculdade Universo
  • Avenida Abdias de Carvalho, em San Martin, próximo à Praça da Chesf
  • Avenida Caxangá, em frente ao Terminal Integrado CDU
  • Avenida Agamenon Magalhães, próximo ao TRE e ao Bompreço
  • Avenida Domingos Ferreira, em Boa Viagem
  • Avenida Dois Rios, no Ibura, próximo ao Sesi
  • Avenida Nova Descoberta, próximo ao Mercado Público
  • Avenida Antônio de Góes, no Pina
  • Avenida José Rufino, próximo ao Colégio Visão
  • Rua Imperial, no bairro de São José
  • Estrada dos Remédios, próximo ao Mercado de Afogados
  • Jardim Uchôa, no bairro de Areias, por causa do Rio Tejipió
  • Rua Gonçalves Maia, na Boa Vista
  • Rua Castro Alves, na Encruzilhada

Mas as perguntas que ficam em aberto são: por que esses bolsões de água aparecem sempre nos mesmos locais e por que eles continuam alagando ao longo do tempo?

Por que o Recife alaga nos mesmos pontos?

De acordo com Fabiano Diniz, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco e especialista em gestão de águas urbanas, muitos fatores contribuem para isso.

Geograficamente, o Recife está a 4 metros acima do nível do mar. Esse patamar, entre outros motivos, levou o município a ser considerado pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2021 como o mais ameaçado do Brasil pelas mudanças climáticas e avanço marítimo, e o 16º do mundo.

“Nossa região tem uma situação muito suscetível a acidentes, pois há chuvas muito concentradas, temos um tipo de solo que, encharcado, tem uma predisposição grande para deslizamentos, além de sermos uma cidade estuarina, que contempla vários rios que se juntam na foz do oceano. Ou seja, o Recife sofre tanto com as dinâmicas das chuvas quanto com a dinâmica oceânica”, explica o professor.

Guga Matos/JC Imagem

Rua alagada após chuva no Recife - Guga Matos/JC Imagem

O especialista conta que as águas, ao mesmo tempo em que modelam a cidade por meio dos seus cursos de água, fazem uma curva quando encontram resistência, atingindo áreas modificadas pelo homem.

Segundo ele, a cidade do Recife foi construída desconsiderando os cursos hídricos.

“O homem produziu a cidade e a forma como ela se organiza tentando controlar essas águas, ocupando o espaço que elas ocupavam antes. A zona portuária do Recife, onde se construiu o porto que hoje corresponde ao Cais de Santa Rita, é uma região de aterro”, detalhou Fabiano.

No último mês de março, vale lembrar, várias ruas do Recife ficaram alagadas mesmo sem a presença de chuvas, devido à alta da maré em combinação com um evento climático oceânico que provocou ventos mais intensos.

A Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), na época, reconheceu que as áreas afetadas no episódio sofrem com alagamentos por serem regiões aterradas.

"A chuva não é um problema"

O professor Fabrizio Listo, doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo e docente da Universidade Federal de Pernambuco, diz que o processo de urbanização do Recife também contribui para esse fenômeno, e que a chuva não pode ser tratada como vilã.

"A inundação é um processo que sempre existiu e o Recife é uma área natural de inundação, com planícies de inundação, uma cidade litorânea. Também é normal que, onde haja vários rios, inunde. Mas esse risco está potencializado pelo excesso de urbanização, com muito asfalto, poucas áreas verdes que absorvam o excesso de água", apontou.

"Numa situação normal, um rio teria mais tempo até transbordar, mas com esse excesso de intervenções ele transborda mais rapidamente, uma vez que tem urbanização instalada nas margens. A gente sente o caos nas avenidas, nas moradias e na falta de gestão de risco que gera o desastre", acrescentou.

"A chuva não é um problema. É bom que se tenha chuva. Mas toda vez que chover, teremos caos? Não. O que não falta são medidas para se adaptar a esse cenário, tanto de engenharia quanto estruturantes, para evitar inundações. O discurso de que não se pode fazer nada tem que acabar", comentou Fabrizio.

Quais seriam as soluções

O professor Fabiano Diniz aponta que o primeiro passo para minimizar o problema dos alagamentos é tentar compreender como funcionam as possíveis soluções.

Ele cita como exemplo a criação de cidades-esponja, capazes de absorver e reservar grandes quantidades de água no entorno de centros urbanos para evitar inundações. Embora já venha sendo estudado e aplicado há anos em todo o mundo, o termo ganhou visibilidade no Brasil após a tragédia do Rio Grande do Sul.

O especialista também cita como exemplos a criação de jardins de chuva, parques alagáveis, valas drenantes com canaletas profundas, que podem retardar o alagamento, além da criação de comportas, que consistem em espaços de armazenamentos de água para evitar que ela acelere a inundação.

Ainda em relação ao Recife, ele menciona como exemplo as ações do programa ProMorar, de requalificação de infraestrutura, que vai promover intervenções diretas nas bacias dos rios Beberibe e Tejipió, numa tentativa de impedir ou minimizar cheias.

Guga Matos/JC Imagem

Rua alagada após chuva no Recife - Guga Matos/JC Imagem

“De certa maneira, o programa demonstra um caminho. Se esse caminho está certo ou não, vamos ver mais adiante. Mas é preciso testar, saber quais são os benefícios e, então, aplicar isso no macro planejamento da cidade. Precisa ser posto para saber se vale a pena. O primeiro movimento de percepção é o de que se precisa mudar”, completou.

Ele também afirma que é preciso investir em prevenção junto à população: “é necessário um letramento climático. Ensinar as pessoas a entenderem as informações a respeito do tempo e do clima, a fazerem uma leitura para se protegerem e evitar impactos”.

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O professor Fabrizio Listo acrescenta outras intervenções necessárias que devem ser realizadas em conjunto com as ações estruturais.

“Mapeamento das áreas de risco, educação ambiental com relação à população, coleta de lixo, saneamento básico, pisos mais permeáveis, tem uma série de compromissos que devem ser compartilhados tanto com quem controla o orçamento quanto os habitantes”, detalhou.

Efeito Rio Grande do Sul

A tragédia das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no final de abril e se estendem até este mês de maio, contabilizando mais de 150 óbitos e destruindo várias cidades, fez com que a sociedade voltasse os olhos para as questões climáticas com maior atenção.

“Estamos numa cidade tão ou mais vulnerável quanto o Rio Grande do Sul. A maior parte das soluções, como fazer diques, barreiras físicas e estações de bombeamento, tem um limite. Num evento extremo, a água vai ocupar”, diz o professor Fabiano, afirmando que o montante a ser gasto na reconstrução da cidade será muito maior do que o que poderia ter sido investido na prevenção.

Estadão Conteúdo

Áreas de alagamento na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, nesta sexta-feira - Estadão Conteúdo

“O grau que aconteceu naquele estado é tão grande que vai haver uma mudança maior de postura. O Recife, tanto do ponto de vista da academia, quanto da gestão pública, já tem essa visão, mas até agora ainda não se virou uma chave para investir em prevenção”, apontou.

“É preciso criar uma relação que o Recife perdeu com suas águas. Hoje, estamos tentando recuperar isso, retomar esse contato, reaproximar a cidade e o cidadão das águas que estão al”, completou o especialista.

Previsão meteorológica

De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), o período chuvoso na região leste do estado, que compreende o Recife e outras cidades da Região Metropolitana, Zona da Mata e parte do Agreste, tem início em maio e segue até julho ou agosto.

O órgão diz que é provável que ocorram chuvas “significativas” neste período de 2024. Até a data da publicação desta matéria, os níveis dos rios não apresentavam alterações, segundo a agência, pois eles aumentam de acordo com a intensidade das precipitações.

O professor  Fabrizio Listo aponta que o risco de inundação no Recife aumenta em eventos extremos, mas ele pondera que isso não pode ser tomado como a única causa das enchentes nas áreas urbanas.

"Não dá mais para ouvir um discurso de que a culpa é da precipitação em excesso ou porque choveu determinada quantidade de milímetros, se a cidade não está preparada. O risco de inundação nunca vai acabar, pois é um evento natural, mas é preciso assumir que o risco de desastre é causado por falta de políticas de contenção", avaliou.

O que diz a prefeitura do Recife

Questionada pela reportagem, a prefeitura do Recife informou que a Emlurb vai mitigar seis pontos críticos de alagamento ainda em 2024. São eles:

  • Rua Gonçalves Maia, na Boa Vista;
  • Rua Imperial com Avenida Sul, no bairro de São José;
  • Rua Castro Alves, na Encruzilhada;
  • Avenida Mascarenhas de Moraes, no trecho próximo ao Aeroporto), na Imbiribeira;
  • Mercado de Nova Descoberta, no bairro de mesmo nome;
  • e o Mercado de Afogados e seu entorno.

A autarquia também se comprometeu a executar obras de drenagem na Avenida Mário Melo, em Santo Amaro, e na Rua do Lazer, na Boa Vista. Contudo, não informou quando as obras serão executadas.

Intervenções no Rio Tejipió

Para reduzir as inundações nos bairros do Ipsep, Barro, Areias, Imbiribeira e nas comunidades de Beirinha e Jardim Uchôa, a prefeitura afirmou que vai instalar um modelo hidrológico e hidrodinâmico na Bacia do Rio Tejipió, que historicamente transborda no período de chuvas.

Serão realizados o início da dragagem do rio e a construção de reservatórios e parques alagáveis para reduzir os alagamentos, por meio do ProMorar, programa de requalificação urbana da cidade.

Segundo a prefeitura, as obras da construção do parque alagável também já foram iniciadas. A intervenção armazena água, reduz o pico de vazão, facilita o escoamento e dificulta inundações. O parque terá cerca de 3,9 mil m² e está sendo implantado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB) na altura da Avenida Recife, entre os bairros do Ipsep e Areias.

Parques alagáveis

Os reservatórios que vão beneficiar os bairros do Ipsep e Imbiribeira terão extensão de 2 km, segundo a gestão João Campos, distribuídos próximos aos principais pontos de alagamentos dos bairros, como ruas transversais às avenidas Mascarenhas de Morais e Recife. As obras iniciam no segundo semestre.

No bairro do Barro, além do alargamento e aprofundamento da calha do rio Tejipió, será construído outro parque linear alagável, no Campo do Sena. A área verde acumulará as águas fluviais no período de chuvas fortes e o campo de futebol existente na área funcionará como um reservatório de águas fluviais durante as chuvas.

A prefeitura diz que também serão finalizadas as obras de urbanização dos trechos 3 e 4 do canal Ibiporã, que revestirá a calha do canal e criará duas vias marginais que seguem em direção à Rua Nova Aurora e às margens do rio.

A Emlurb também afirmou que, no início do ano, começou a fazer a limpeza dos 99 canais que cortam a cidade, com investimento de R$ 8,5 milhões, e que já removeu 1.254 toneladas de lixo do Rio Beberibe, 2.181 toneladas do Rio Jiquiá e 114 toneladas do Rio Tejipió, no trecho da Rua Ananias Catanho.

A Ação Inverno 2024 terá investimento de R$ 314,5 milhões, segundo a administração municipal.

Monitoramento de alagamentos

A prefeitura também informou que, nos dias de chuva, o trabalho de monitoramento de alagamentos é feito pelo Centro de Operações do Recife (COP), que reúne 13 secretarias e órgãos municipais para atuar no gerenciamento de crise.

Participam representantes da Defesa Civil, SAMU, Guarda Municipal, Assistência Social, Emlurb, Controle Urbano, Assistência Militar e Saúde, numa sala equipada com painéis para monitorar a situação e agilizar o atendimento às ocorrências.

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