Armas de gel e a banalização da violência: um crescente problema de segurança pública
Os lançadores de gel surgiram no Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas se espalharam rapidamente pelo Brasil e virando febre entre os jovens
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Nos últimos meses, uma nova "febre" tem chamado atenção nas grandes cidades brasileiras: as armas de gel. Essas armas, que simulam metralhadoras, pistolas e até fuzis, utilizam bolinhas de gel que, ao entrarem em contato com a água, aumentam de tamanho e tornam-se macias.
Embora inicialmente pareçam ser apenas uma diversão inofensiva, o que começou como uma brincadeira se transformou em uma séria ameaça à segurança pública e à saúde.
O caso mais recente e trágico ocorreu em 26 de novembro, quando José Adilson Bezerra Sabino foi morto a tiros após uma discussão originada durante uma batalha com armas de gel no Córrego do Abacaxi, em Olinda, Pernambuco.
O crime gerou um intenso debate: enquanto alguns consideram a morte um resultado de um motivo banal, outros apontam que o problema está na própria prática dessas "brincadeiras", que envolvem armas potencialmente perigosas e podem atingir inocentes.
A Fundação Altino Ventura, referência em emergência oftalmológica, já contabilizou mais de 20 atendimentos por lesões oculares entre 30 de novembro e 3 de dezembro, com uma criança de 9 anos sendo operada após ser atingida por uma bolinha de gel no olho.
A disseminação desse tipo de arma é visível, com vendedores ambulantes oferecendo as armas e munições nos centros urbanos. Em estados como Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Pará, as "batalhas" com armas de gel têm se tornado frequentes, especialmente em bairros de alta vulnerabilidade social, onde os vídeos dessas confrontos geram viralização nas redes sociais.
Mas o problema vai além da saúde pública. O uso dessas armas também vem criando sérios riscos à segurança. No dia 4 de dezembro, em Recife, um motorista, ao tentar passar por uma dessas batalhas, disparou contra os participantes.
Felizmente, não houve feridos. Um incidente semelhante foi registrado quando uma viatura policial, ao tentar dispersar jovens em uma batalha de gel, atirou para controlar a situação, demonstrando os perigos da banalização da violência.
A legislação brasileira, desde 1997, proíbe a venda e fabricação de armas de fogo e simulacros, salvo para adestramento, colecionadores ou em contextos específicos.
No entanto, a Lei 11.615 de 2023 reconhece armas de airsoft como equipamentos recreativos, mas apenas para maiores de 14 anos. As armas de gel, embora semelhantes, não se enquadram legalmente como simulacros de armas de fogo, o que permite sua circulação, apesar de sua periculosidade.
Nos últimos anos, a flexibilização das leis sobre armas e munições no Brasil tem contribuído para uma mudança cultural em relação à violência. A posse e o porte de armas de fogo se tornaram mais aceitos socialmente, especialmente com o crescimento dos clubes de tiro, que têm sido vistos por muitas famílias como espaços de lazer.
Esse ambiente de normalização da violência, onde armas de fogo são tratadas como objetos comuns, abre caminho para que até as armas de brinquedo, com algum potencial ofensivo, se tornem populares entre jovens.
A grande questão que surge é: por que algo tão violento se tornou parte do lazer de tantas pessoas em um país onde mais de 33 mil mortes anuais são causadas por armas de fogo? No Grande Recife, por exemplo, a violência armada mata, em média, um adolescente a cada 4 dias. Em 2024, já foram registradas 263 crianças e adolescentes baleados nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belém e Rio de Janeiro.
A normalização das armas, tanto reais quanto de brinquedo, reflete uma mudança cultural impulsionada pela flexibilização das leis de armas. Isso traz sérios riscos, principalmente em um país onde a violência armada mata milhares anualmente, especialmente adolescentes. A banalização da violência por meio dessas “brincadeiras” reforça a necessidade de encarar a violência como um problema grave e urgente.